terça-feira, dezembro 19, 2006

UMA ENTREVISTA AO JORNAL REGIONAL BADALADAS - Torres Vedras



Regional
José Xavier revela alguns casos de trabalho temporário de portugueses na Holanda

“Portugal exporta desemprego e problemas sociais”

A afirmação que intitula a entrevista que se segue é de José Xavier, membro do Conselho das Comunidades Portuguesas na Holanda. Depois de viver de perto os problemas com que se depararam os trabalhadores portugueses que optaram por passar uns tempos longe da família em busca de melhores condições de vida, José Xavier, em entrevista ao BADALADAS, põe a descoberto algumas realidades sobre o país que o acarinhou há 25 anos.José Xavier nasceu no concelho de Alenquer, mas cresceu em Runa e estudou em Torres Vedras até completar 22 anos e partir para a Holanda. Profissionalmente, é funcionário da embaixada do Brasil em Haia desde 1982. Badaladas:

Há quanto tempo vive na Holanda?
José Xavier: Vivo na Holanda há 25 anos. Vim para cá com 22.

B: Como é que se tornou conselheiro da comunidade portuguesa na Holanda?
JX: Em 1997 candidatei-me às primeiras eleições por sufrágio directo no Conselho das Comunidades. Fui eleito e, em 2002, fui novamente reeleito pela comunidade portuguesa na Holanda como seu representante no CCP (Conselho das Comunidades Portuguesas). Esta função veio, um tanto ou quanto, no seguimento da minha ligação ao movimento associativo desde muito jovem, tanto na aldeia que me viu crescer (Runa) como em Torres Vedras enquanto estudante.Depois, na Holanda, fui vários anos presidente do Grupo Desportivo da Casa dos Portugueses, em Haia, onde actualmente sou o presidente da mesa da assembleia geral.Sou um dos fundadores da actual Federação da Comunidade Portuguesa e membro-fundador do Conselho de Opinião para as Comunidades Sul-Europeias na Holanda. Recentemente, apoiei o aparecimento de uma fundação para jovens lusodescendentes. Também sou membro-fundador da Fundação Portugal.NL, onde temos um projecto com um site na internet (www.portugal-holanda.nl).

B: Quais são as actividades e os objectivos do CCP?
JX: O CCP é o órgão de consulta do Governo português para as políticas da emigração (não confundir com imigração). Reparte-se pelo Conselho Mundial, que reúne de dois em dois anos na Assembleia da República. Tem um conselho permanente, cinco conselhos regionais e secções locais em cada país onde exista um número significativo de comunidades portuguesas. Tem também os seus representantes estipulados pela lei que rege o conselho.Em suma, existe nos vários países uma panóplia imensa de actividades em que cada um define as suas prioridades sobre temas como o ensino da língua e da cultura portuguesa, os apoios consulares e sociais, o novo fluxo migratório, questões sobre a lei da nacionalidade, os ex-militares e o tempo de contagem para as reformas, a difusão de programas sociais para as comunidades, os médias das comunidades, os empresários nas comunidades portuguesas, entre outros.

B: Quais são as suas funções enquanto conselheiro?
JX: Enquanto membro do CCP, sou o único representante da comunidade portuguesa na Holanda. É uma função que não é remunerada e em que tudo é feito durante o meu tempo livre e nas férias.Neste momento, sou também presidente do Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Europa, que é formado por 40 membros.

B: Tem alguma ideia de quantos portugueses estão a viver na Holanda?
JX: Durante vários anos a comunidade portuguesa na Holanda oscilava entre os 9.500 a 10 mil membros.No final de década de 90 começaram a aumentar até ao número actual oficial das estatísticas holandesas de mais ou menos 15 mil. Mas com este novo fluxo migratório, que é muitas vezes de trabalho temporário, o número poderá rondar os 20 mil portugueses.

B: Qual é a sua opinião sobre o trabalho sazonal dos portugueses nesse país?
JX: Sigo esta questão dos trabalhadores sazonais de forma mais intensa há cerca de quatro anos. Em 2002 morreu um jovem português por inalação de monóxido de carbono. Ele vivia numa casa com um grupo de portugueses e em más condições. Os outros foram internados por alguns dias e salvaram-se. Desde essa data até hoje tenho falado com centenas de trabalhadores temporários portugueses em condições muito complicadas. As pessoas são, em muitos casos, escravizadas e dependentes de salários a qualquer preço.Este tipo de mão de obra “barata” e muito precária, quase sempre não qualificada, é interessante para a economia holandesa. Esta é exactamente a forma que pretende a directiva de serviços europeia (a chamada directiva Bolkenstein) que, infelizmente, ficou com uma outra capa mas com o mesmo conteúdo: explorar os mais pobres e enchendo os bolsos dos mais ricos.Já organizei várias reuniões onde foram debatidas estas questões com os sindicatos portugueses e holandeses, com os eurodeputados portugueses e holandeses, com deputados portugueses, com o Governo, ou com a Obra Católica das Migrações na pessoa do padre Rui Pedro. Fui convidado a participar na reunião de coordenadores da OCPM, que se realiza no próximo ano aqui em Haia. Infelizmente estamos perante uma situação muito especial (com muita tristeza minha), Portugal exporta desemprego e problemas sociais.

B: Em que condições vivem estes portugueses?
JX: Vivem muitas vezes em condições muito desumanas em grupo e sem qualquer privacidade, trabalhando, quando é possível, de dia e de noite. Trabalham para firmas de trabalhos temporários e só são considerados números e não pessoas. Felizmente vamos encontrando, lentamente, algumas situações um pouco melhores, mas é muito raro.Que fique claro uma coisa: estes são problemas que se passam com trabalhadores temporários. A comunidade portuguesa que chegou aqui há cerca de 45 anos tem hoje já a terceira geração e é uma comunidade integrada e muito apreciada pelos holandeses. Este não é um problema só na Holanda. Infelizmente em outros países como Espanha, Inglaterra e Suíça, tem havido muitos casos idênticos com trabalhadores temporários portugueses.

B: Que tipo de emprego têm?
JX: Trabalham mais na área da horticultura e das estufas holandesas. E na Primavera nos campos agrícolas. Também trabalham na construção civil, por exemplo na linha do TGV, entre Amesterdão e Bruxelas (aí estão centenas de portugueses). A zona do porto de Roterdão também tem muitos trabalhadores, mas aí existem muitos portugueses qualificados que têm melhores condições salariais que os restantes. São muito procurados soldadores portugueses, por exemplo.

B: Recentemente falou-se em exploração da mão-de-obra portuguesa, em salários em atraso e de condições precárias, o que pensa disso? É verdade?
JX: Claro que é verdade. Apesar de eu ter tido muito pressão política, onde afirmaram que eram só alegações, com a ajuda dos media portugueses tenho demonstrado que é verdade. Também nas reuniões públicas, em Roterdão e em Arendonk (Bélgica), onde estiveram centenas de trabalhadores, estes contaram publicamente as suas situações, algumas delas bem horríveis, na presença de deputados, três eurodeputados e sindicalistas.Os casos mais concretos de problemas graves desenvolveram-se fora dos grandes centros, a centenas de quilómetros de distância. Este último caso envolvia várias centenas de trabalhadores, em que o recrutador, na ânsia de ganhar rápido os seus honorários e de ter bastante mão-de-obra rápida, prometeu coisas simplistas que fez com que vários jovens trabalhadores ficassem sem recursos até para poderem comprar comida. Viveram do auxílio de outros ou passaram fome durante alguns dias.Descobri esta situação numa sexta-feira à tarde e no outro dia desloquei-me a cerca de 200 quilómetros da minha casa para conseguir que nos dias seguintes houvesse pelo menos comida e, posteriormente, fossem tratados os assuntos administrativos com a empresa que os contratou.

B: Com que apoio é que estes portugueses podem contar?
JX: Infelizmente muito pouco é feito para dar apoio. Estávamos perante um cônsul geral em Roterdão e um embaixador de Portugal em Haia, que me afirmavam que todas as pessoas que tivessem problemas se dirigissem ao consulado. Mas como é que é possível, quando existem casos graves e muitas vezes longe do consulado? Pois, por vezes, as pessoas estão sem dinheiro, mal tratadas ou com graves problemas. Disseram-me: “que se desenrasquem!”. É este o tipo de serviço público de apoio e de protecção consular.Para além disso, o consulado tão pouco está provido de um assistente social e jurídico, o que torna complicadíssimo tudo isto. Em resumo, é um abandono total. O Governo lançou campanhas de sensibilização na televisão. Fui o mentor dessas iniciativas, com os meus pareceres ao então secretário de Estado das Comunidades. Agora voltaram de novo. Foi elaborada uma brochura informativa, dando conselhos sobre o que as pessoas devem fazer quando pensam em sair de Portugal. Mesmo assim acho ainda pouco.

B: O Governo português presta algum auxílio a estes trabalhadores?
JX: Tem sido muito pouco ou nulo o auxílio do Governo português com estes casos. Continua, tal como tem acontecido sempre com governos do PS e PSD/CDS, a não ter uma política de emigração. Cada Governo que entra de novo preocupa-se com as reestruturações consulares, o que se tem traduzido, simplesmente, em encerramentos de consulados e diminuição de funcionários. Ora, o apoio vai sendo menor e nunca de proximidade.Aliás, vai-se notando algum afastamento, ou seja, exactamente aquilo que os governos de Portugal têm feito às comunidades portuguesas, um desprezo total. Não só nos consulados, mas por exemplo no ensino da língua e cultura portuguesa. E agora vão rebentar com o que ainda resta. O ano lectivo 2006/2007 está um caos na Europa.Neste contexto, estes trabalhadores temporários quando chegam à Holanda não têm apoio nenhum se tiverem problemas. Depois destes últimos acontecimentos muito tristes, o Governo em menos de 24 horas mudou o cônsul de Roterdão. Neste momento existe um número de telefone de emergência e está-se a preparar a existência de um assistente social. O Governo prepara-se para legislar algo sobre as firmas e formas de recrutamento, sancionando juridicamente os prevaricadores. Finalmente deram ouvidos a mim e aos membros desta comunidade que muito temos reclamado por estas situações.Como se diz no bom termo português: “depois de casa roubada, trancas à porta”.

Em nota de rodapé, gostaria que ficasse bem claro que não tenho nada contra as pessoas serem contratadas para trabalhar fora de Portugal. Exijo, acima de tudo como cidadão português e como membro do CCP, que haja honestidade e cumprimento de contratos ou de promessas na altura do recrutamento, das condições de habitabilidade e em casos de doença. Exijo também que haja qualidade das empresas de recrutamento e que sejam sancionadas se não estiverem a cumprir os requisitos legais.A imagem de Portugal no mundo não se faz com pessoas a mendigar, com fome, a dormir em bancos de jardins, etc., conforme tenho visto. Os portugueses merecem mais dignidade. Tenho lutado muito por isso e sempre tenho encontrado pessoas com dificuldades. Felizmente tenho tido apoio de alguns políticos, particularmente do Parlamento Europeu, nomeadamente de Miguel Portas e, especialmente, de Ilda Figueiredo.
Desemprego em alta, salários de sonho, promessas simplistas, documentação desorganizada
O Eurostat revelou recentemente que a taxa de desemprego em Portugal mantém-se nos 7,2 por cento pelo terceiro mês consecutivo. Essa percentagem é inferior à média da Zona Euro (7,7) e da União Europeia (7,9). As taxas de desemprego mais baixas, registadas em Outubro último, são de 3,5 por cento (valor de Setembro), na Dinamarca, 3,9 na Holanda, 4,2 na Estónia e Irlanda e 4,7 na Áustria.Em busca de novas e melhores condições de vida, a comunidade portuguesa procura a todo o custo um emprego, venha ele donde vier.
Anúncios nos jornais com promessas de salários de sonho são os mais atractivos. O facto de se tratar de um emprego num outro país fica relegado para segundo plano. Os números falam mais alto, por exemplo, um lugar de bate-chapa em Espanha é de 1.285 euros, enquanto que em Portugal é de 350 euros. É em busca destas oportunidades que os trabalhadores portugueses “se agarram”.
Segundo o jornal “Público”, antigamente havia um controlo administrativo que obrigava os jornais a enviarem os anúncios à Direcção-Geral dos Serviços Consulares e das Comunidades Portuguesas (DGSCCP) para verificação. Agora com a abertura das fronteiras esse controlo deixou de ser feito. No entanto, a DGSCCP aconselha todos os candidatos ao emprego a verificar a idoneidade de quem o recruta, procurando ajuda junto da Inspecção-Geral do Trabalho ou do Instituto de Emprego e Formação Profissional. “Em Portugal, há apenas quatro agências privadas de colocação licenciadas”, garante ao “Público” Fátima Cerqueira, do IEFP. Ao mesmo diário, Paulo Morgado, do IGT, diz que o que abunda são indivíduos que, à margem da lei, “têm um contacto na Holanda ou noutro país e que angariam trabalhadores aqui e os colocam lá”.

José Xavier, do Conselho das Comunidades Portuguesas na Holanda, diz que lentamente começam a ser dados passos para que haja dentro de pouco tempo uma maior clareza sobre os problemas de Stramproy (sul da Holanda). “A grande falha, conforme já tinha eu visto há alguns dias atrás, estava entre a forma de recrutamento e o acompanhamento dos trabalhadores, no local onde vivem e nos seus problemas primários quando aqui chegaram. Da empresa de recrutamento, promessas simplistas, muito facilitismo, documentação desorganizada, a má escolha do perfil de cada trabalhador, etc., etc., foram a grande base problemática”.

Autor: Ana Alcântara
Data: 2006-12-14

2 comentários:

Anónimo disse...

pois e dona ana mas o que a senhora nao sabe e que os cabecas da empresa que nos contratou so ganhava por pessoa e em media era 100 euros por isso a confusao meu nome e luis e eu tive em strampoy eu vi o estilo de pessoas que la estavam e o que faziam avia um que cortou o pescoco a um taxista no porto

Anónimo disse...

Sim, provavelmente por isso e